quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O que é e o que não é o Yoga


Possivelmente nenhuma outra ciência é mais mal interpretada do que a simples ciência espiritual do Yoga. Recentemente um ex-embaixador da Índia, na Bélgica, disse ter constatado que, na Europa, de um modo geral, o termo Yoga não significa muito mais do que Asana e Pranayama e, às vezes, alguns indianos tentavam fazer passar por uma demonstração de poderes ióguicos, alguns simples truques de magia comum.


O Ocidente não pode ser culpado por isso, porque há tão poucos livros bons sobre o assunto e a maioria destes trata principalmente de Asana e Pranayama, que são os melhores auxiliares do Yoga.
Concepções errôneas

Não são poucos os nossos próprios conterrâneos que visitam ou residem em países ocidentais, como professores de Yoga e que, na maioria das vezes, estão mal preparados para desempenhar esse papel; e, geralmente, o que é tanto mais lamentável é que lhes falta a necessária evolução espiritual e o verdadeiro idealismo ióguico, duas condições gêmeas que se caracterizam pelo desapego e pelo espírito de renúncia.


Na Índia, também, o Yoga não é corretamente interpretado. Pensa-se ser algo fora do comum. Supõe-se ser o Yogui um indivíduo esquisito, de cabelos emaranhados, barba crescida, aparência desleixada e de preferência com o corpo coberto de cinza; alguém que se alimenta de ervas e raízes, e vive em uma floresta retirada ou em uma caverna escura nas profundezas de alguma cadeia de montanhas longínquas.

O que não é o Yoga

Pretende-se mesmo que um Yogui coma e digira grama, beba ácido nítrico e com ele possa nutrir-se, que possa levitar-se do chão emquanto medita, que possa fazer predições, ser um advinhador, um quiromante ou um astrólogo, ou até mesmo especular com êxito na bolsa.


Nada disso tem relação com o Yoga. A prática de magia, como o truque da corda, mesmerismo, acrobacias, talvez com algumas alterações sobre o que comumente se vê no circo, demonstrações de resistência, como a prolongada retenção da respiração, fazer o chamado Sajiva samadhi, ou permanecer enterrado durante muitos dias, o que é conseguido através do controle da Kevala Kumbhak – todas essas práticas não constituem a finalidade do Yoga.


Voar pelos ares sem o auxílio de asas, como se isso fosse possível através da Khechari mudra, não identifica um Yogui. Sentar-se em camas de pregos ou praticar qualquer ato exótico, não é Yoga. Sendo, por princípio, um processo essencialmente interno – o Yoga é um método de auto-regeneração.

O lugar da Asana

O Ocidente sente uma particular atração pela Asana. Quanto mais difíceis as contorções, maior o seu encanto. Afinal de contas, não foi intenção do Senhor que o corpo humano, uma dádiva sua, fosse torcido, torturado e contorcido ao máximo, para que cada um de nós pudesse vir a realizá-lo.


Asana e Pranayama têm o seu lugar e importância na ciência do Yoga, porém, por si só, não constituem o Yoga. Asanas poem tornar a espinha dorsal mais flexível e manter o corpo jovem, até certo ponto.


Os Hatha Yoguis dizem: és tão velho quanto tua espinha, mas, de fato, juventude depende de atitude mental, otimismo, interesse, e libertação de tristeza e tédio. Um corpo são, por si só, não libertará ninguém de preocupações.
Firmeza na Postura

Até mesmo em Raja Yoga, o que se quer dizer com Asana, ou a terceira etapa, é conseguir domínio sobre qualquer uma das principais posturas para meditação, isto é, poder permanecer imóvel, confortavelmente, por um razoável espaço de tempo, por exemplo, durante três horas consecutivas em determinada Asana, a fim de poder praticar, tranquilamente, a abstração da mente ao meio ambiente e de qualquer pensamento dispersivo (pratyahara) para concentra-la (dharana) no ideal da meditação (dhyana).


Asana, como uma ciência de cultura física, faz parte da Hatha-Yoga, mas embora a prática regular de várias posturas seja útil para manter o corpo em boas condições de saúde, e, até certo ponto, retardar o envelhecimento e mesmo curar determinados tipos de enfermidades, a prática de Asanas, por si só, não assegura, necessariamente, o desenvolvimento espiritual do praticante.


Dar demasiada importância a Asana só nos torna mais materiais, o que está em contradição com o real objetivo do Yoga. A prática regular de algumas Asanas simples, por curto tempo, entretanto, é muito bom.

Pranayama

Da mesma forma, Pranayama tem uma expressiva influência sobre a mente e através da normalização ou controle da respiração, pode-se conseguir um certo grau de firmeza e serenidade mental, boa saúde, e possivelmente longevidade também, mas não se deve esquecer que Pranayama serve para auxiliar a meditação e o desabrochar espiritual, e não deve ser transformado em motivo para superstição ou tomado como um meio para dominar o controle das leis físicas, como por exemplo, a lei da gravidade, cuja a validade factual é, todavia, deixada a conjeturas.


Há uma história muito conhecida a respeito de um adepto do Yoga que procurou um homem santo e contou-lhe que, depois de praticar determinada espécie de Pranayama, ele podia agora dominar a força da gravidade e, finalmente, atravessar o rio perto de sua vila, sem correr o risco de afogar-se ou mesmo molhar os pés.


O Santo respondeu ao Yogui que, infelizmente, ele havia desperdiçado seu precioso tempo todos estes anos quando bem poderia atravessar o rio a qualquer momento, pagando 2 centavos ao barqueiro e te-lo empregado em conseguir o controle de sua mente que leva a auto-realização.

Processo Interno

A idéia é a de que “por-se de cabeça para baixo”, por si só, não faz um Yogui. A preocupação primordial do Yoga é com o ser interno do homem. Se tuas práticas espirituais capacitarem-te atingir um certo grau de pureza mental, se teu coração tornar-se mais expansivo e tua visão livre de intransigências, se te tornares capaz de perdoar aqueles que te magoam e prejudicam, se agora, zangas-te apenas uma vez de três em três meses ao invés de três em três dias, como antes, então poderás dizer que progrediste no caminho do Yoga de forma recomendável.


Yoga não deve ser confundido com algum dogma Hindu. Yoga é tudo, menos um dogma. Embora faça parte do Hinduísmo, não é uma religião em si. A existência da matéria e do espírito é aceita. Não se nega a matéria, porém, a validade de sua existência é dependente do espírito que a domina. A alma individual é um fragmento da alma Suprema, e seu destino é reunir-se a Ela.
O significado literal do termo Yoga é “união”.

Algumas Definições

O Yoga pode ser definido de várias maneiras. O Gita diz que, eficiência em ação é Yoga. Descreverei algumas das principais definições do Yoga. Yoga não tem relação alguma com o aspecto físico da renúncia ou do desprendimento do mundo. É primeiramente um modo de vida.


Pode-se ser um Yogui e ao mesmo tempo levar uma vida ativa no mundo, mas seria ridículo a um homem de família mundano, imaginar-se um Yogui. A razão pela qual algumas pessoas liquazmente desdenham da renúncia é porque ainda estão escravizadas pelos sentidos e preferem ser tomadas como Yoguis (comodamente) enquanto permanecem intimamente atolados no mundanismo.


O mundo não é mau em si: a servidão do homem aos seus sentidos é que é ruim. Um apego positivo não é mau. É seu lado físico e possessivamente egoísta que torna negativo o vedadeiro amor. “Apego” a princípios, a valores nobres, não poderia ser classificado como algo de mau.

O Espírito do Yoga

É tremendamente difícil manter constantemente vivo o espírito do Yoga enquanto se está cercado de influências mundanas e impelido por “Sanskaras” negativas ou impressões adquiridas e acumuladas no passado, Mas, cada qual tem de cultivar assiduamente uma correta apreciação dos valores, uma perspectiva racional e sadia, e compreensão intuitiva da natureza das coisas.


O mundo dos sentidos, o qual vemos e sentimos, que nos faz sofrer e gozar, não é a única realidade. Há algo mais além das aparências. A vida não é toda presa a matéria. Há algo mais elevado que os deveres mundanos, qualquer coisa mais importante que valores temporais.


Temos de nos colocar, tanto quanto possível, acima dos pares de opostos, e adquirir um certo controle sobre seus impactos em nossa mente, tais como as experiências que são o corolário natural de desordenadas atrações e repulsas, os fatos imprevistos que nos causam transtornos súbitos, etc.


Desapego


Não se deve exultar demais com as vantegens materiais de curta duração ou mergulhar em um estado de depressão negativa em virtude de perda pessoal ou sofrimento. Aqui o papel da discriminação entra em ação. É um dos passos iniciais do Yoga. Nossos sofrimentos são o resultado da identificação do corpo e da mente, e da personalidade, com um estado de existência efêmera.


Vedanta diz que não é o homem quem age ou goza, mas é apenas uma testemunha silenciosa, é o Atman, o espírito imortal interno que age, goza e sofre. O processo do Yoga habiltar-te-a a que tua consciência oriente a tua conduta e as tuas ações. Diz-se que um “rasgo” de consciência é um vislumbre de Deus.

Dinâmica

Deves fazer o possível para deixar o resultado de tuas ações nas mãos do Supremo. Não esperes nada e não conhecerás o desapontamento. A maior parte das relações neste mundo são contaminadas pela constante e sempre presente antecipação.


O homem sofre devido à tensão negativa resultante do apego sensual a bens e indivíduos, um apego que se relaciona com a individualidade física e mental. O homem, portanto, estaria em muito melhor posição para bem cumprir os seus deveres se se exercitasse em ser um instrumento útil ao cumprimento da vontade de Deus, isto é, agindo sem qualquer motivação egoística ou sem a expectativa de recompensas materiais como objetivo exclusivo de seus atos.


Isto, naturalmente, requer grande evolução espiritual. Desapego, desinteresse, eficiência, iniciativa, perseverança, aplicação, deixando a recompensa nas mãos de Deus, devem ser os fatores a orientar as atividades de nossa vida. Só então podem nossos atos ser classificados como Yoga.


Não se procura com isso menosprezar os interesses materiais da vida. O objetivo do Yoga é conserva-los dentro de seus legítimos limites, não permitindo que a ganância material atormente a nossa vida e a dos outros. Yoga não é uma filosofia que nega o mundo.

Yoga como meio de integração

No caminho da devoção, integração emocional é Yoga. Um sentido de união com Deus, é Yoga. Verter lágrimas por uma visão de Deus não é Yoga, nem tampouco a visão de alguma entidade ligada a qualquer das encarnações divinas pode ser denominada realização divina.


Até que ponto a tua devoção a Deus encontra expressão na tua conduta, nas tuas atitudes para com as vantagens pessoais e no teu modo de encarares os teus semelhantes, eis a medida para avaliares o teu progresso no caminho do Yoga e da devoção.


Deus não se restringe a uma única imagem. Ele está em todas as imagens e, entretanto, para além de tudo. Se esperas que Ele se conduza como um grande potentado terreno e atribuis virtudes mundanas à Sua grandeza, o teu conceito de Deus é limitado ao nível de tua evolução e indicativo de tuas características. Desde o momento que confinas Deus a uma forma, tu O limitas.


Entretanto, é necessário um símbolo para que nos possamos dirigir a Ele, para termos uma concepção sobre a qual meditar e que seja uma fonte de inspiração para nós. É, entretanto, uma questão muito incerta o quanto poderia beneficiar-se um aspirante que se satisfizesse em limitar o seu conceito de Deus a uma apoteose, embora de um magnífico e virtuoso Pai de família.


Uma determinada deidade não é o único aspecto da Suma realidade.

Visões

Realização divina é algo infinitamente mais transcendental do que ter visões durante a meditação ou durante o sonho, de uma forma divina que não é senão o resultado de concentração, a aparição de uma impressão da mente subconsciente no ecran da mente consciente ou durante um sonho, causado por um pensamento concentrado em uma determinada imagem.


Mera concentração física dos olhos pode fazer com que se vejam luzes ou faíscas luminosas na retina. Isto não significa realização ou avanço espiritual. Ver luzes é uma experiência comum àqueles que praticam concentração por período suficiente de tempo.


Visões de luzes podem manifestar-se conforme a constituição dos Tattwas pessoais ou das qualidades psíquicas do indivíduo. Da mesma forma, ouvir sons. Qualquer pessoa pode sonhar com determinada imagem, levada até mesmo pela força da atração física. Isso nada tem a ver com a realização espiritual do Yoga. A sua única prova será evidenciada pelo aperfeiçoamento do teu caráter.

Reforma da Natureza

Deve-se fazer uma pausa para analisar se a visão da imagem de Deus realmente revolucionou completamente o nosso ser interior, e se houve uma completa transformação de um indivíduo de inclinações mundanas, arrogante, egoísta, em um puro ser espiritual. Se assim for, então foi uma tremenda conquista; se não houve essa transformação, então tais visões não vão fazer baixar os céus à terra.


Ouve-se falar tanto nas “façanhas” de Samadhi pelo Yoguis ou a visão de Deus pelos devotos. Que nenhum homem se iluda a si mesmo. Estupor não é Samadhi. Um transe causado por exaustão emocional não é Samadhi. Sentar-se teimosamente, na mesma posição, durante várias horas a fio, sob quaisquer condições de tempo, não é Samadhi. Inércia habitual não é Samadhi.


A experiência de Samadhi é indicada pela qualidade de vida, a pureza de caráter, a cessação dos desejos, perfeito equilíbrio mental, felicidade radiante e contagiosa, e clareza intuitiva da natureza das coisas em resumo, uma vida que está bem acima do plano material de existência. Um Yogui não poderá jamais disfarçar-se em um homem mundano.



O Coração de um Yogui

Fervor emocional não é Yoga. Aquele que exerce completo controle sobre suas emoções ao mesmo tempo deixa-se impressionar fortemente pelas coisas boas da vida, que se comove ante o sofrimento do mundo e deseja realmente fazer alguma coisa para ajudá-lo, na melhor forma ao seu alcance, diz-se ter o coração de um Yogui. O coração de um Yogui não é estéril. É intensamente humano e humanitário. É humano porque é capaz de encarar os vários problemas da vida. É humanitário porque é profundamente compassivo. Reconhece os defeitos do mundo, mas não zomba deles e não se sente superior a eles.


O coração de um Yogui procura compreender as dificuldades dos outros e está sempre pronto para demonstrar espírito de cooperação. Ele não é um feixe de emoções, fantasias, intolerância. Não é impulsivo. É desprendido e, no entanto, cheio de amor.


O coração de um Yogui venera a Deidade de sua predileção, porém, respeita igualmente a todas as outras manifestações de Deus vendo a sua Deidade preferida nelas também, como em todas as criações do mundo, mas não confina a sua visão somente nelas. Transcende acima e para além, e procura atingir o infinito.
Não há intolerância no Yoga
Um aspirante intolerante é, na melhor das hipóteses, um purista, um sacerdote de templo, ou um desfiador de rosários em família, mas, certamente não é um Yogui, ou mesmo um homem religioso, ou que tenha um mínimo grau de realização espiritual. No caminho do Yoga deve haver total ausência de intolerância. Yoga começa quando desaparece estreiteza mental.


Como já foi dito, Yoga preocupa-se primeiramente com o Ser interno. Controle sobre as modificações da mente é Yoga, diz Patanjali. Equilíbrio mental é Yoga. Firmeza na consciência da Realidade atrás das aparências é Yoga, Um conhecimento que é livre de oscilações e conjeturas hipotéticas, um conhecimento que não depende dos sentidos para conservar-se firme, é o resultado do Yoga.


A vida vivida de acordo com o Yoga é vida espiritual. Não é monopólio de qualquer nação ou povo. É a dádiva universal de Deus, um tesouro que é adquirido pelo indivíduo, através de auto-regeneração. Os lampejos espirituais estão latentes tanto nos corações dos povos das Américas, da Rússia ou qualquer outro país, quanto na Índia. Eles só precisam ser inflamados e cultivados até que atinjam a mais elevada iluminação.


Vamos, Tornai-vos Yoguis. Esta é a vossa meta.


Sri Swami Sivananda Saraswati.
Do livro Perfeição pelo Yoga


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